O pinheiro de natal


 


É no longe deste tempo que habito. Habito numa cidade estranha à memória da criança nascida em Belém há dois mil anos. Habito no meio dos écrans e dos outdoors luminosos e fantásticos, que são produto de uma técnica eletrónica que mais e mais avança com maravilha. Habito num tempo de viagens no espaço e de satélites artificiais que orbitam em torno da terra. E foi neste longe, em que habito, que te conheci.

Um dia, numa manhã de final de outono, de céu muito azul, como se fosse primavera, encontrei-te sentado no degrau de um grande edifício, numa avenida no centro da cidade, quase despovoada àquelas primeiras horas. Estavas rodeado de pequenos objetos esculpidos em madeira: um ou dois pássaros azuis, algumas borboletas amarelas e verdes, apitos vermelhos, grandes colheres e garfos envernizados e de tom natural, e muitos meninos-jesus pequeninos de cor dourada. E cantavas muito baixinho uma canção de embalar como se tivesses uma criança acabada de nascer nos teus braços, fazendo, ao mesmo tempo, com cadência, um sapateado com os pés. Todo tu eras música e dança. De corpo muito esguio e alto, moreno, vestido com um fato completo todo negro, era como se assinalasses uma origem distante e remota, e distinta, tão diversa neste espaço da grande cidade.

Não podia deixar de reparar em ti. E perguntei o teu nome. José, disseste tu. Donde vens, interroguei de seguida. E disseste-me então que vinhas de um longe muito longe e disseste tudo isso numa voz melodiosa e agradável ao ouvido, como quem continuasse a cantar. E, subitamente, parecendo lembrares uma coisa de importância, perguntaste-me se eu queria ver o local onde trabalhavas e onde vivias. Disse que sim, com agrado. E, levando a mão direita ao bolso do casaco, tiraste o telemóvel e puseste a passar as imagens em movimento.

Então eu vi. Vi uma outra cidade. Uma pequena cidade só com uma grande praça, ladeada de ruas estreitas com casas simples, caiadas de uma cor muito branca. E vi-te, nessa mesma praça, sob um grande pinheiro de altiva imponência secular, sentado num pequeno banco de pedra, a esculpires com um canivete um pedaço de madeira em bruto, que, aos poucos, ia ganhando uma forma. Cantavas baixinho e sapateavas com os pés. Mas estavas rodeado de gentes. Eram pastores, eram lavadeiras, era gente do povo e crianças, sentados no chão à tua volta como assistindo ao mistério da criação num silêncio respeitoso e como quem escuta a canção melodiosa com que se embalaria um filho. E esculpias, sem pausa, e num afago de amor, uma Rosa, e, nas tuas mãos, a beleza da flor ganhava uma forma que era um movimento também. Um movimento igual ao teu movimento dançante; e percebi, na clareza de um lúcido pensamento, que o teu Longe é, na suma distância, a estupenda maravilha desta terra e deste céu, onde um menino-deus vive e viveu.


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